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Crónicas de África: Moçambicanês

Opinião  »  2016-04-20  »  Ricardo Jorge Rodrigues

"Das coisas mais hilariantes que existe no convívio com o povo moçambicano é tentar perceber o “moçambicanês”."

Das coisas mais hilariantes que existe no convívio com o povo moçambicano é tentar perceber o “moçambicanês”. Não, não é nenhum dos inúmeros dialectos que existe aqui mas simplesmente a forma que tenho de caracterizar o calão deste povo.

Sempre com um sorriso nos lábios, seja na rua, no supermercado ou no tchoupela, os moçambicanos estão sempre a ensinar-nos uma nova expressão. Ah, tchoupela é o nome dado aos tuk-tuk que aqui são um meio de transporte bastante comum. As alternativas ao tchoupela são o chapa – carrinhas de 9 lugares que transportam o dobro das pessoas -, táxis ou andar de my love que significa, em português, meu amor. My love é o nome dado quando se viaja na caixa de uma carrinha pick-up. Isto porque os moçambicanos conseguem pôr uma quantidade incrível de pessoas lá e então viajam todos agarrados uns aos outros, como casais de namorados, daí a expressão my love. 

Claro que, depois de uma viagem tão intensa, nada melhor do que ir matabichar para recuperar energias. Talvez já tenham captado pelo contexto que matabichar significa ir comer algo. Na maioria dos casos eu acabo por entender as expressões pelo contexto também mas, se matabichar é de fácil resolução, outras nem tanto.

Uma das coisas que achava mais intrigantes ao início era a forma como os portugueses se dirigem, por exemplo, a empregados de mesa: “’Tou a pedir” como forma de iniciar um pedido. “’Tou a pedir uma 2M”, por exemplo, se o desejo for uma cerveja bem gelada de uma das marcas mais conhecidas no país. O ‘tou a pedir, que dito pelos moçambicanos fica algo como tou pidire (eles escrevem mesmo assim) é sinal de respeito, como se fosse um “se faz favor” em Portugal. O que torna intrigante é que dito por um português parece uma ordem; dito por um moçambicano parece caridade. Estranho, este nosso complexo.

Uma das formas mais engraçadas do “moçambicanês” é a desconstrução verbal que eles provocam para colocar numa palavra o efeito contrário. Nós também fazemos isso por exemplo em palavras como “descomplicar” ou “desrespeitar”. No entanto, os moçambicanos utilizam essa forma muito regularmente e, como qualquer sotaque que deriva da língua portuguesa, dizem-no com muito mais piada que nós. A utilização mais comum desta forma verbal passa pelo desconseguir: significa não conseguir efectuar uma tarefa. É mesmo muito utilizada. Por exemplo, se viajo num tchoupela que não consegue encontrar o destino ele vai-me dizer: “estou a desconseguir chegar ao local”. Impossível não rir.

Mas, finalmente, o tchoupela chega ao local. Vamos, por exemplo, ao Mercado do Peixe almoçar e antes temos de comprar o nosso peixe. Peço um quilo de ameijoa mas “’tou a pedir bacela, mamã”. Já começam a entrar no espírito? Mamã ou Papá é a forma respeitosa de tratar pessoas mais velhas. Aqui não há senhores nem donas, mas há mamãs e papás. E bacela, o que será? É como se fosse uma oferta, dar algo mais. Por exemplo, se eu pedi um quilo de ameijoa, a mamã irá pôr mais 100 gramas.

Se há algo comum a todos os moçambicanos é a vaidade. Aliás, mais do que serem vaidosos gostam de se evidenciar sempre que possível. No último sábado sentei-me à conversa com um grupo de meia-dúzia de moçambicanos. Falavam de política e sobre a crise na Islândia até que um deles pediu a minha opinião, por eu ser europeu. Respondi o que penso e outro moçambicano começou a conversar comigo em português. Até que a meio do discurso, sem que nada o fizesse prever, começou a falar em inglês. Isto tudo apenas para se evidenciar, para mostrar ao estrangeiro que sabia falar inglês. Até que eu disse: “Mas olha, eu falo português”. Os amigos dele desataram a rir. Perceberam a intenção dele. Porque são como ele, no fundo.

E é desse jeito castiço e malandro de se tentarem evidenciar que surge uma das expressões que mais gosto nos moçambicanos. Aliás, é provavelmente a única de todas estras expressões que eu uso em conversa com eles. Se algo está bom, se algo é “porreiro”, então diz-se maningue nice que é uma derivação da palavra inglesa “many” (muito) mas com mais estilo, agregada a “nice” (bom). É absolutamente normal perguntarmos coisas banais como “então e este peixe é bom?” e a resposta ser “é maningue nice”. A expressão é de tal forma popular que já deu nome a empresas, marcas e anúncios no país.

É, também, nestes pequenos pormenores que nos tornamos mais ricos. Esta absorção de uma cultura diferente, o convívio com outras gentes, o sabermos aceitar que o mundo não gira em torno da nossa realidade, dá-nos mais mundo. Como li há dias: “A cultura é muito mais que pedras e monumentos. Cultura é o que somos e o que nos une numa única comunidade”. O “moçambicanês” é maning nice. Sem itálico, porque já é parte de mim. Para sempre.

 

 

 

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