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Um pequeno grande homem - josé ricardo costa

Opinião  »  2022-04-13  »  José Ricardo Costa

"“A inveja, sim, é coisa feia mas era inveja que sentíamos de quem era aluno do professor Venâncio, cuja sala era conhecida por não ter lá entrada o tenebroso Cérbero."

 

 


“O Pequeno Grande Homem” (1970) tem como personagem principal um rapaz que, apesar de franzino, se revela forte e corajoso. Não é caso único. Faz parte de uma estirpe que, na ficção, começará, vá, com Ulisses (uma cabeça abaixo de Agamémnon) e que na vida real tem hoje Zelensky como mais do que legítimo herdeiro. Ora, os torrejanos que frequentaram a escola primária antes do 25 de Abril também terão o seu pequeno grande homem para guardar na memória: o professor Venâncio. Sinto-me feliz por, ainda em vida, lhe ter prestado, neste jornal, uma singela mas merecida homenagem, da qual resultou uma simpática amizade entre nós. Quero agora despedir-me dele, até porque não pude fazê-lo pessoalmente no dia em que partiu.

Numa altura em que crianças torrejanas podiam, a respeito de alguns dos seus professores primários, dizer pior do que os muçulmanos dizem do toucinho ou Thomas Bernhard dos austríacos, tive a pouquíssima sorte de não ter ido parar à sala do professor Venâncio, quando a minha professora entrou em licença de maternidade. Uma sala que estava para aquela escola como hoje a livre a pacífica Polónia para o inferno ucraniano.

Fui aluno da professora Maria de Lurdes, uma excelente professora que recordo com carinho. Lá dava as suas reguadazitas, mas maternalmente. Sim, como uma mãe daquele tempo dava uns tabefes a um filho porque era assim e pronto, fazendo parte do protocolo educativo da época sem que por aí viesse grande mal ao mundo. A vida continuava alegremente, fosse a jogar ao berlinde ou à bola no recreio ou a sujar a roupa no “Esqueleto” depois das aulas. Tanto assim foi que anos depois continuava, com infantil prazer, a cumprimentar a professora Maria de Lurdes com dois beijinhos como se fosse da família.

Para felicidade sua mas infelicidade nossa, quando já estávamos na 4ªclasse deu à luz uma criança, sendo os seus alunos então distribuídos pelos professores Figueiredo e Lagarto. Eu comecei por ir parar ao professor Figueiredo. A simples evocação mental do seu nome “Fi-guei-re-do… Fi-guei-re-do… Fi-guei-re-do…”, provocava calafrios, tendo sido num estado de pleno terror que entrei na sua sala como se subisse para o cadafalso. Sim, ruim como as cobras, a sua má fama não era em vão, mas talvez pelas minhas exacerbadas expectativas face ao Mal, um bocadinho assim como quem vai ao dentista sempre à espera do pior, acabou por não se tornar, tão mau, apesar de mau, como exorbitava a imaginação. Pronto, sentia-se a presença física do Mal mas ainda não era a presença do Mal absoluto e diabólico.

Não sei porquê, um grupo de alunos, eu incluído, passou do professor Figueiredo para o professor Lagarto. Visto de hoje, ainda bem que passei antes pelo primeiro, permitindo uma adaptação ao Mal de Peniche ou Caxias antes de mergulhar nas pestilentas águas de Auschwitz. Ainda hoje não sei explicar o que raio seria o ominoso professor Lagarto. Apenas que era muito mais do que simplesmente mau e cruel: um sádico que na sua coutada de Saló se aproveitava do seu absoluto poder para absolutamente alimentar as suas desvairadas e orgásmicas pulsões de morte.

A inveja, sim, é coisa feia mas era inveja que sentíamos de quem era aluno do professor Venâncio, cuja sala era conhecida por não ter lá entrada o tenebroso Cérbero que guardava a escola com as suas três temíveis cabeças: Figueiredo, Amândio e Lagarto. E se estes três nomes arrepiavam, já Venâncio era sinónimo de zona de segurança e a crença de ser possível uma escola na qual o que se exige a um professor é ensinar, educar, formar, em vez de chacinar pobres crianças indefesas que apenas não conseguiam decorar todos os rios, serras e distritos de Portugal Continental, Angola, Moçambique ou porque escreviam um “ç” em vez de “ss”. Se Maria de Lurdes era uma mãe, Venâncio seria um pai.

Daí que aquela minha homenagem ao professor Venâncio, que à época não conhecia pessoalmente, começasse por ser acima de tudo, homenagem a um nome: um nome redondo e macio como Estoril para um judeu dos anos 40, no qual sabia bem pensar ou dizer, um nome com sabor, não a óleo de fígado de bacalhau mas chocolate Regina. Só depois conheci o homem e apenas para confirmar que batia mesmo tudo certo. Sei-o hoje, o professor Venâncio (ainda agora sinto prazer em escrever o nome) não era apenas um social-democrata no que à ideologia diz respeito, território que partilhávamos. Era-o também como pessoa: humanista, temperado, afável, adverso a totalitarismos, autoritarismos e abusos de poder. Embora cedo para o perceber, era isso que ele já era naquela escola de má memória para tantos. E os seus alunos que o digam, essa felizarda lista de Schindler como um dia lhe chamei. Na minha infantil intuição via-o apenas como o professor bom e será sempre como o professor bom que continuo a vê-lo nesta hora de despedida mas em que já dele sentimos saudades.

 



 


 

 

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